Contratações em TI crescem 18% no ano

Valcidney Soares
Repórter

A falta de profissionais no mercado de Tecnologia da Informação do Brasil tem criado uma corrida das empresas por esses talentos. De acordo com o relatório da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), divulgado em 2021, o País forma hoje 53 mil pessoas por ano dentro da área. A demanda anual, entretanto, é de 159 mil profissionais.


Há um ano, Lucas Vinicius, de 21 anos, trabalha em sistema home-office na DevSquad, uma empresa de Salt Lake City, capital de Utah. [Foto: Alex Régis]

Com vagas sobrando, não falta espaço no mercado. No Rio Grande do Norte, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), as atividades dos serviços de Tecnologia da Informação cresceram 18,6%. No primeiro quadrimestre de 2022, o setor empregava 1.807 pessoas. Em igual período do ano passado, o estoque somava 1.523 profissionais contratados.

Para manter os números em alta, a Brasscom estima que as empresas de tecnologia deveriam formar 797 mil profissionais de 2021 a 2015. Atualmente, porém, o déficit anual é de 106 mil talentos. Em Natal, o “carro-chefe” da formação em TI é o Instituto Metrópole Digital (IMD) da UFRN, que possui o curso de Bacharelado em Tecnologia da Informação (BTI). O diretor da instituição, José Ivanildo do Rêgo, atribui a alta empregabilidade à formação e ao Parque Tecnológico do IMD, onde os alunos têm a prática do mercado desde cedo. Por isso, “as próprias empresas desses projetos terminam contratando eles no meio do caminho, até para segurar, porque a disputa por essas pessoas é muito grande”, afirma.

Há um ano, Lucas Vinicius Ferreira da Silva, de 21 anos, trabalha na DevSquad, uma empresa de Salt Lake City, maior cidade e capital do estado norte-americano de Utah. Apesar disso, nunca pisou fora do Brasil. E nem pensa. O desenvolvedor mossoroense vive em Natal e é um dos alunos do IMD. Ele iniciou o curso em 2020, e já no primeiro ano conquistou um emprego.

No começo de maio, o IMD divulgou uma pesquisa realizada com os alunos formados na última turma de BTI. O objetivo era acompanhar a inserção desses estudantes no mercado de trabalho. Os números foram reveladores: dos 34 alunos que responderam (de uma turma de 40), 67,6% já estavam empregados ao terminarem o curso, sendo 64,7% numa empresa privada da área. Outros 11,8% atuavam como autônomo ou freelancer, e 2,9% como empreendedor.

Lucas Vinicius fez o ensino médio no IFRN Campus Mossoró, onde se formou no curso técnico de Informática. Em seguida, já partiu para a UFRN. “Quando eu era criança e tinha seis, sete anos, ganhei um computador da minha tia”, diz. “Eu só tinha o Orkut, e um amigo do meu irmão hackeou a minha conta. Mas nasceu ali minha curiosidade de entender como é que as coisas na internet funcionam e, principalmente, como é que elas deixam de funcionar”, explica.

Uma das formadas pelo IMD é Thuanny Ramos, de 23 anos. Morando em Natal, ela trabalha na Mundiale, uma empresa de Belo Horizonte-MG. Segundo a software developer, algumas qualidades são necessárias para se destacar na área. “Precisa ser uma pessoa altamente flexível. Hoje, a gente pode estar trabalhando com uma linguagem [de programação], e amanhã surge outra”, afirma. Para ela, é preciso estar “disposto a aprender coisas novas, lendo, pesquisando novas tecnologias e acompanhando o mercado”, completa.

Higor Morais é líder da base de pesquisa em Saúde Digital do LAIS e pesquisador do Núcleo Avançado de Inovação Tecnológica (NAVI/IFRN). Segundo ele, “existem algumas empresas que inclusive estão contratando profissionais com uma formação não tão boa ou não tão dentro da expectativa daquilo que eles gostariam, mas para poder formar durante o trabalho”.

Já o caminho de Mateus Nascimento, de 22 anos, foi diferente. Dividido entre outros cursos — pensou em Letras, Medicina e Direito —, só se decidiu por BTI pela indicação de um tio, e se apaixonou. Hoje, trabalha na filial brasileira da gigante multinacional IBM.

Segundo ele, não basta querer emprego. Para se firmar, a base de conhecimento em matemática é importante. ”Aprender a programar é um processo difícil e é uma maneira diferente de você pensar, mas também tem um aspecto matemático”, diz. “Então para pessoas que já não tem uma base boa de matemática básica, que é a realidade do Brasil, quando ela chega no ensino superior pode ser bem intimidador”.

Pagando alto, empresas estrangeiras atraem brasileiros
Enquanto sofre para suprir a demanda de talentos, o setor brasileiro de Tecnologia da Informação enfrenta ainda outro problema: a contratação desses profissionais por empresas estrangeiras. Segundo Higor Morais, líder da base de pesquisa em Saúde Digital do LAIS, a cooptação acontece por dois fatores. “A primeira delas é a boa formação e qualificação de profissionais brasileiros na área de desenvolvimento de software. Segundo, a questão da balança comercial”, explica o engenheiro. Com a crise econômica, o poder de compra do dólar está à frente do real. Assim, os profissionais brasileiros trabalham remotamente no próprio país e ganham melhores salários com a conversão da moeda americana.

No Brasil, as remunerações do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) são 2,5 vezes maiores que a média do salário nacional, segundo a Brasscom. Os profissionais da área ganham R$ 5.028, enquanto a média nacional é de R$ 2.001. Apesar do valor superior, as remunerações em empresas de outros países podem ser ainda superiores. “O Brasil paga muito pouco para o desenvolvedor e exige muito. Espera-se que o desenvolvedor saiba fazer muita coisa, mas não se dá recurso para ele fazer isso. Enquanto o mercado lá fora paga remunerações muito muito altas, e cobra muito menos do que aqui”, diz Lucas Vinicius. Entre os entrevistados pela TRIBUNA DO NORTE, foram citados valores salariais entre R$ 4.500 e R$ 30 mil, entre mercado nacional e internacional.

Segundo o mossoroense, é esse cenário que tem levado a uma busca dos programadores brasileiros por empresas estrangeiras — e vice-versa. “Para os desenvolvedores, trabalhar para fora é a melhor opção de longe. Poucas empresas no Brasil tem uma remuneração e condições de trabalho que consigam competir com as empresas de fora, só bigtechs brasileiras”, afirma.

“Eu acredito que seja ótimo para o currículo desses profissionais, mas péssimo para o mercado nacional que, além de perder força de trabalho qualificada, deixa de coletar imposto e movimentar a economia nacional”, diz Ítalo Epifânio, de 24 anos, formado em BTI que hoje trabalha na alemã Palaimon GmbH.

Já o diretor do IMD vê o cenário com bons olhos. “É uma boa preocupação, porque a gente está dando empregabilidade aos nossos alunos, e agora eles moram em Natal, ficam ganhando em dólar, trabalhando na empresa americana ou trabalhando numa empresa em São Paulo e morando em Natal”, diz Ivonildo Rêgo. Mas, o Rio Grande do Norte também retém talentos com o Parque Tecnológico, diz. Com 85 empresas e empregando duas mil pessoas atualmente, a maior empresa de TI do Estado nasceu na Incubadora Tecnológica do IMD, segundo Ivanildo.

“O instituto tem toda uma ação de reter os talentos aqui, de gerar empresas locais, como também estamos atraindo projetos de grandes empresas nacionais e multinacionais para serem desenvolvidos aqui em Natal”, afirma. O objetivo depois é “gerar outras empresas aqui e reforçar o mercado localmente. Ou seja, a gente trabalha de uma forma mais global e completa”.

De acordo com Epifânio, o Rio Grande do Norte também consegue competir com pequenas startups locais. “Por abranger diversas regiões através da prestação de serviço remoto, a empresa não fica refém do pequeno mercado disponível em sua cidade. Natal aposta no desenvolvimento de startups e já abriga empresas consolidadas no mercado nacional”, afirma.

As carreiras de TI costumam dividir os formatos em três tipos: desenvolvedor júnior, pleno e sênior. Quanto maior o grau, maior o salário. “Uma empresa estrangeira que tem um salário médio para um profissional júnior 4 mil dólares, quando faz essa conversão para real e se a pessoa mora no Brasil, você vai ter mais de 20 mil reais para um profissional no início de carreira”, explica Morais. “Então é um atrativo muito grande para os profissionais daqui”, afirma.

De acordo com o pesquisador, para o desenvolvimento econômico do RN não ficar para trás, é preciso equiparar as remunerações. “Se as empresas aqui do Estado e do Brasil quiserem manter de fato esses bons cérebros que a gente vem formando, elas vão precisar competir nesse mercado de trabalho. Se nós não tivermos uma solução a nível global, com uma intervenção da Organização Mundial do Comércio, para tratar do fator do peso da moeda, o que vai nos restar são as empresas terem que se adaptar a essas realidades [de saída de profissionais]”, afirma. “A área da programação virou a Brasília do século XXI”, define Lucas.

Via Tribuna do Norte

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