Declarada inconstitucional parte de lei municipal que criava privilégios em contratação de pessoal

Imagem: Blog do Jasão

O Tribunal Pleno da Justiça potiguar, à unanimidade de votos, declarou, em abstrato, a inconstitucionalidade material de dispositivos de uma lei de 2018, do Município de Bento Fernandes, que criou programa de assistência social e fomento à profissionalização de pessoas desempregadas. Na avaliação do TJ, a norma privilegia determinadas pessoas e cria espécie ilegítima de contratação temporária, pois vincula os participantes ao exercício de atividades perante órgãos da administração pública.

A decisão atende a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo procurador-geral de Justiça que argumentou haver inconstitucionalidade material no teor da Lei nº 505/2018, de Bento Fernandes, que criou o Programa Emergencial de Auxílio-Desemprego “Frente Trabalho”, com o objetivo de fomentar a contratação de pessoal sob a justificativa de qualificar profissionais desempregados.

Na ADI, o PGJ contou que instaurou Procedimento Administrativo, a partir de representação da 1ª Promotoria de Justiça do Município de João Câmara, visando o exame de conformidade constitucional da norma municipal. Disse que o poder público criou, na verdade, uma nova forma de contratação temporária, fora das determinações legais, havendo desconformidade material entre a Lei nº 505/2018 e a Constituição do Estado do Rio Grande do Norte.

Destacou também que a lei criou cargos com prestação, em caráter temporário e sem vínculo empregatício, de serviço a qualquer órgão da administração direta ou indireta do Município, o que estaria bem evidente na redação do seu artigo 4º, circunstância que revela clara afronta ao princípio constitucional do concurso público.

Salientou ainda que a circunstância também afronta as diretrizes extraídas da jurisprudência da Suprema Corte, quanto ao formato de contratação temporária contemplado pela Constituição da República (e, por simetria constitucional, pelas Constituições Estaduais).

O prefeito do Município de Bento Fernandes defendeu a constitucionalidade da legislação questionada, dizendo que a lei municipal apenas criou um programa de qualificação profissional, com o intuito de amenizar a situação de desemprego vivenciada por parte da população de Bento Fernandes e que a atuação do Poder Público, nesse contexto, é imposição da própria Constituição Federal.

Defendeu que a Lei Municipal nº 505/2018 não teria, assim, nenhuma relação com contratação temporária de servidores públicos, tratando, na verdade, de programa de assistência social, prevendo a norma, inclusive, contraprestação por meio de bolsa que não atinge sequer metade de um salário-mínimo vigente.

Apreciação da matéria

Para o relator, desembargador Dilermando Mota, ficou claro que o objetivo da legislação municipal é, de fato, a criação de programa de assistência social, aparentemente em conformidade com os ideais dos princípios inseridos no artigo 203 da Constituição da República, reproduzidos na Constituição Estadual. Ele afirmou que não enxerga inadequação constitucional material no objetivo estatal de promover meios de qualificação para pessoas desempregadas, mediante programa com viés de assistência social.

Todavia, entende que a legislação municipal excede esse propósito quando estabelece que os benefícios previstos nela serão concedidos preferencialmente aos que já prestam serviços ao município, bem como aos participantes dos cursos educativos e de qualificação profissional, por um período de 18 meses e não podendo ser prorrogado, trazendo, assim, um direcionamento a um público-alvo preferencial.

Segundo o relator, existe nesses dispositivos, com certa clareza, um desvirtuamento em relação à justificativa inicialmente dada à norma, não apenas por privilegiar determinado grupo de pessoas, ou seja, aqueles que já prestam algum tipo de serviço ao ente público, o que fere a isonomia constitucional, mas também porque traz uma contradição, ao conjugar a norma dois critérios de admissão (para o programa) incongruentes: a situação de desemprego igual ou superior a um ano e o interesse em atender servidores que já prestam serviço no município.

“O programa público de cunho assistencialista e profissionalizante é, em sua essência, nobre. Porém não pode se valer dessa roupagem de nobreza para conferir privilégios a pessoas que já participam, de alguma forma, dos serviços públicos municipais, ainda que em caráter precário, sob pena de se converter em verdadeira criação de verba de gratificação para servidores ou prestadores terceirizados”, decidiu.

Ao final, os desembargadores atribuíram à decisão efeitos imediatos, porém sem retroatividade, ou seja, mantiveram a lei, porém declararam inconstitucional apenas parte dela. O objetivo foi o de preservar a norma, por ter finalidade pública que merece ser preservada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.