No Dia da Infância, comemorado nesta quarta-feira (24), o Instituto Santos Dumont (ISD) divulgou dados levantados a partir do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), que apontam que o Rio Grande do Norte registrou um aumento de 119% nos casos de violações dos direitos das crianças no primeiro semestre de 2022.
O RN segue uma tendência nacional de aumento dos casos de violações, pois essa escalada vem sendo registrada há pelo menos dois anos no Brasil. Em todo país, o primeiro semestre de 2022 registrou um aumento de 125% nesses casos em relação ao primeiro semestre do ano anterior, de acordo com a plataforma. Segundo especialistas, esse cenário tem sido reforçado pelo contexto da vulnerabilidade socioeconômica crescente no Brasil desde o começo da pandemia da covid-19.
Em números absolutos, o RN teve 4.911 violações registradas até junho de 2022. No mesmo período de 2021, 2.235 casos foram registrados. Nacionalmente, 98.035 violações foram computadas em 2021, ao passo que 221.079 aconteceram em 2022 de acordo com a plataforma federal. O número de violações não foi o único que apresentou crescimento: as denúncias no Rio Grande do Norte foram de 555 em 2021 para 958 em 2022, um aumento de 72.6%.
Uma possível explicação para o aumento de denúncias e violações registradas, segundo a preceptora assistente social do ISD Alexandra Lima, é a flexibilização das medidas de isolamento, que “possibilitou às crianças ter mais contato com agentes terceiros, como profissionais da educação, amigos ou outros familiares”. O aumento dessa socialização de potenciais vítimas, segundo ela, permite que a atenção sobre esses casos aumente e chegue aos órgãos responsáveis.
“As violações dos direitos humanos da criança consistem em qualquer interferência que se comete contra a integridade física e psíquica, desde maus tratos físicos até a omissão do cuidado que seria necessário para que a criança tenha um desenvolvimento saudável”, explicou Alexandra.
Os casos de denúncias e violações registradas contra esse grupo, atualmente maiores que os índices para adolescentes e idosos, surgem em um contexto mais amplo, que ultrapassa a violência em si.
“A violência permeia todas as pessoas, principalmente as de baixa renda que são acometidas por outros tipos de violência. Então, cria-se um ciclo de violações que reflete diretamente no contexto das crianças e adolescentes. A gente vê um número crescente de famílias que estão nas periferias e sujeitas à violência urbana. Isso também pode refletir na convivência, nos conflitos que são gerados dentro do seio familiar”, explicou a assistente social.
Para a preceptora, existem fatores externos relacionados às relações e conflitos na estrutura das próprias famílias, provocados por aspectos socioeconômicos e violência cotidiana. Essas características refletem no elo mais frágil desse núcleo familiar, que é a criança. Essa fragilidade existe por ser mais difícil ter acesso à ferramentas de identificação e solicitação de ajuda a uma terceira pessoa na infância, principalmente porque a maior parte dos casos ocorre dentro da família.
“Para garantir uma resposta efetiva a essa realidade, é necessário garantir uma comunicação entre os diversos setores que vão assistir a criança em situação de violência. Os serviços precisam conversar entre si, aplicando o que é chamado de atendimento intersetorial, para ter um olhar que abarque o contexto em que a criança e sua família estão inseridos, para que essa família seja assistida de modo que a violação, seja contra a criança e adolescente, seja contra outros membros da família, cesse”, destacou Lima.
Cenários distintos
Por definição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é considerada criança toda pessoa com até 12 anos incompletos. Para a preceptora do ISD Alexandra Lima, dentro dessa faixa etária existem ainda dois recortes que sofrem formas distintas de violação: as que estão na primeira infância, até os 6 anos, e as mais próximas da adolescência.
“Na faixa dos 0 a 3 anos, por exemplo, existe muito mais a negligência, a falta de cuidado. Quando as crianças ainda não podem reclamar e não têm discernimento do que precisam para seu bem estar e sobrevivência, ocorrem muitos casos de omissão, como não dar banho, não levar ao médico ou não dar comida. Já a criança mais velha, sabe que o responsável tem que dar comida para ela, tem que levar para escola… Então ela vai questionar usando uma outra forma de comunicação, e isso pode refletir em uma violência física”, explicou.
Em muitos casos, as violações variam de acordo com o que a criança expressa, de que forma expressa e o quanto consegue entender em que situação se encontra. Por isso, considerando as impossibilidades de autonomia e discernimento de muitas crianças, é importante, enquanto sociedade, manter um olhar de alerta – seja vizinho, família, escola ou unidades de saúde, para garantir a proteção dessa população.
“Devemos compreender que a infância é uma fase de experimentação, do brincar, com suas características específicas. A criança não deve trabalhar, por exemplo. Cada fase deve ser vivida com o nível de desenvolvimento respectivo, não é aconselhável pular etapas”, disse Alexandra.
Como denunciar
Segundo o ECA, é dever de todos reforçar o cuidado com a infância e a adolescência. Portanto, quem está por perto e tem informações sobre casos de violência, maus tratos, ou omissão de algum tipo, deve denunciar através de canais de denúncia anônima, como o Disque 100, que é gratuito, ou por órgãos especializados, como Conselho Tutelar, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente e Delegacia de Defesa da Criança e do Adolescente.
É preciso denunciar com o maior número de informações o possível: nome ou apelido da criança, quem é o responsável e endereço com ponto de referência para que as equipes responsáveis consigam chegar até a criança em situação de violência e possam iniciar os cuidados necessários para retirá-la desse cenário.
“É preciso partir do compromisso que cada um deve ter com os cuidados da criança e do adolescente, assim como preconiza o ECA. A proteção à infância e à adolescência é um dever de todos: estado, família e sociedade. O compromisso é individual, de cada pessoa que lida com esses públicos. Torna-se necessário, portanto, conhecer os direitos e aplicá-los, transformando esse movimento em aprendizado juntamente com a criança e com o adolescente. Isso não se restringe só à educação. A sociedade, em seus diversos níveis, deve colaborar para que o cuidado seja praticado. Ou seja, não há um dever de um ou outro, o dever é de todos, devemos ter essa consciência”, concluiu a preceptora assistente social do ISD.
Canais e contatos de atendimento e denúncias:
- Delegacia Especializada na Defesa da Criança e Adolescente do RN – (84) 3232-6184
- Conselho Tutelar Natal Zona Norte – (84) 3232-7789
- Conselho Tutelar Natal Zona Sul – (84) 3232-8458
- Conselho Tutelar Parnamirim – (84) 3644-8326
- Conselho Municipal dos Direitos Criança Adolescente Natal – (84) 3223-3333
- Conselho Municipal dos Direitos Criança Adolescente Parnamirim – (84) 3644-8327
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