O número de óbitos por atropelamentos no Rio Grande do Norte dobrou em dois anos, de acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RN). As estatísticas indicam que em 2019, o RN registrou 37 mortes em razão desse tipo de acidente. Em 2020, os números subiram para 56 (aumento de 51,35%) e no ano passado, o Estado atingiu a marca de 74 óbitos (crescimento de 31,14% em relação a 2020 e o dobro do que havia sido registrado em 2019).
Em 2022, até o momento, o RN contabiliza oito mortes por atropelamento (quatro em janeiro e quatro neste mês de fevereiro). No último dia 12, um cadeirante morreu após ser atingido por um veículo enquanto atravessava, pela faixa, uma das ruas do bairro de Cidade Alta, em Natal. O homem, identificado como João Maria Duarte, de 49 anos vivia em situação de rua.
As imagens do acidente foram divulgadas na semana passada e mostram o momento em que João atravessa pela faixa de pedestres. Uma moto com um casal para enquanto ele começa a cruzar a via. Mas um carro que vem logo atrás, atinge o casal na moto e, em seguida, passa por cima do cadeirante. João é arrastado embaixo do veículo por alguns metros. Ele não resistiu e morreu. O casal teve ferimentos leves.
A imprudência no trânsito, além dos inúmeros perigos que afetam especialmente os pedestres, assustam. Pelas ruas da capital, não é difícil encontrar pessoas que já vivenciaram situações de risco, mesmo ao atravessarem na faixa, conforme determina a legislação de trânsito. A estudante Sara Rauany, de 13 anos, conta que quase foi atropelada na semana passada, na Avenida Prudente de Morais, na altura de Candelária, zona Sul de Natal.
“Eu sempre atravesso na faixa e sinalizo que vou fazer a passagem, mas nem isso adianta às vezes. Semana passada, um carro não respeitou minha vez e quase me atropelou”, relata. A aposentada Marta Moura, de 76 anos, caminha com dificuldade, apoiada por uma bengala.
Por isso, para ela, os riscos de uma travessia aumentam, uma vez que convive com dificuldades motoras. “Para mim, que tenho dificuldade de locomoção, é ainda mais difícil, porque não consigo atravessar a rua rapidamente”, diz.
Marta reclama que a região onde vive (na Prudente de Morais, na altura de Candelária) é complicada, por causa das constantes infrações de trânsito. “A gente sempre corre perigo. Essa região aqui é horrível, porque os motoristas não respeitam os pedestres. Uma vez, na hora de atravessar a rua, a moto me ignorou e passou raspando em mim. Conheci, inclusive, duas pessoas que morreram atropeladas, infelizmente”, conta a aposentada.
A também aposentada Erivanda Dasmasceno, de 72 anos, também reclama de imprudência dos motoristas na região da Prudente de Morais, em Candelária. “Não adianta nem acenar com a mão, porque eles não param. Dia desses, quase fui atropelada. Ainda bem que um senhor viu que o carro não ia parar e me segurou para eu não atravessar”, comenta Erivanda.
Travessia segura exige conscientização
O coordenador da Escola Pública de Trânsito (EPT) do Detran-RN, Felipe Barreto, explica que existem dois tipo de faixa para pedestres: sob o sinal e sem sinal. Para cada uma delas, as normas são diferentes na hora da travessia e o pedestre precisa estar atento para conseguir se deslocar com segurança. Na faixa sob o sinal é o semáforo quem indica a prioridade (se do pedestre ou do veículo). No caso da faixa sem sinal, de acordo com o coordenador, é preciso considerar a prioridade do pedestre, conforme está descrito no artigo 70 do Código Brasileiro de Trânsito (CTB).
“O referido artigo estabelece que, ‘os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições do próprio CTB’”, explica Barreto. Entretanto, alerta, é preciso que, para uma passagem segura – mesmo com prioridade estabelecida em lei – o pedestre precisa solicitar a preferência aos veículos.
“O correto é que as pessoas solicitem a preferência de passagem, que é diferente de prioridade. Após a solicitação, elas devem aguardar todos os veículos reduzirem a velocidade para poder iniciar a travessia. E toda vez que o pedestre solicitar a preferência, mesmo que tenha a prioridade, ele deve esperar que os veículos diminuam o movimento para, assim, fazer uma passagem segura”, orienta o professor.
De acordo com ele, essa conduta é importante porque os veículos precisam de tempo e espaço para encerrar o próprio movimento (parar). “Imagine uma carreta a 50 km/h: se estiver a menos de 20 metros da faixa e precisar reduzir a velocidade, ela não conseguirá tempo e área suficiente para frenagem até alcançar a passagem de pedestre, porque o veículo não consegue diminuir a inércia de espaço”, exemplifica.
Para os motoristas, a orientação em regiões onde há faixas é a mesma para qualquer outra área em que esteja dirigindo: atenção máxima o tempo inteiro. “O motorista precisa estar atento a toda hora. A legislação prevê e o aluno aprende na autoescola que é obrigatório zelo, cuidado e atenção ao se locomover com o veículo automotor. Ou seja, é preciso ciência de que ele tem o dever de adotar todos os cuidados necessários, não só na faixa de pedestre, mas com todos que participam do trânsito”.
O professor chama atenção, no entanto, para a responsabilidade que os próprios pedestres devem ter, uma vez que eles também são parte integrante do sistema de trânsito de uma cidade. “O pedestre é o único membro desse sistema que não se habilita, não faz cursos e não é instruído para saber como se comportar [no trânsito]”, afirma Barreto.
Diante da escassez de informação, não há outro remédio, a não ser o investimento em campanhas educativas. “Como um todo, são necessárias, sim, campanhas de conscientização, tanto para pedestres quanto para motoristas, a fim de que se reduza o número de acidentes”, pontua Felipe Barreto. Em casos de ocorrências envolvendo atropelamentos, o coordenador da Escola de Trânsito do Detran esclarece que o pedestre pode procurar ajuda na esfera cível para indenização, bem como na área de trânsito, para pedir o seguro DPVAT.
“O DPVAT é uma indenização concedida em casos de acidentes com lesão de potencial menor ou em caso de falecimento. Qualquer pessoa que sofre um acidente de trânsito, tem direito a acionar o DPVAT e ser indenizado, seja na forma de valores ou até de tratamento, com a compra de medicamentos”, explica.
Motorista pode ser enquadrado na lei de trânsito
Ao desobedecer as regras no trânsito, o motorista estará sujeito a incorrer em infrações (que podem ser gravíssimas, inclusive) e em crimes. Felipe Barreto, da Escola Pública de Trânsito (EPT) do Detran-RN, esclarece que o motorista pode ser enquadrado em diversas modalidades, que são avaliadas sempre por agentes de trânsito no momento em que a desobediência for observada.
São várias as modalidades às quais o motorista pode ser enquadrado. Algumas dessas infrações são bem conhecidas, como frenagem brusca, direção desatenta ou parada em cima da faixa. Segundo Barreto, o motorista que para em cima da faixa sob semáforo incorre em avanço de sinal. Mas a infração, no final, será sempre avaliada por um agente.
O grau de infração (grave ou gravíssima) pode levar a crimes de trânsito. “No caso da embriaguez ao volante, por exemplo, que gera um atropelamento, o motorista pode incorrer nos artigos 302 e 306 do CTB, que versam sobre crimes de trânsito que nascem como infração”, afirma Felipe Barreto.
Os crimes a que se referem os artigos 302 e 306 são, respectivamente, o de prática de homicídio culposo (quando não há a intenção de matar) por direção de veículo automotor; e condução de veículo com capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa. As penalidades vão desde detenção (que pode chegar a quatro anos), a multa e suspensão e proibição de se obter permissão e habilitação para dirigir.
Números
Mortes por atropelamento no RN
2018: 66
2019: 37
2020: 56
2021: 74
2022: 8
Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RN)