‘Melindra alguém cujo apoio é importante’, diz Moro sobre investigar FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) (Caio Guatelli/VEJA)

Em novas mensagens vazadas de diálogos entre o ex-juiz federal e ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, reveladas nesta terça-feira, 18, pelo site The Intercept Brasil, Moro se mostra preocupado a respeito de uma investigação sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que tratava de suposto caixa dois eleitoral pago pela Odebrecht na década de 1990. O tucano ocupou a Presidência entre 1995 e 2002.

No diálogo no aplicativo Telegram, que segundo o site ocorreu em 13 de abril de 2017, Moro afirma que os indícios de irregularidades envolvendo o tucano lhe pareciam “muito fracos”, sugere que o suposto crime já estaria “mais do que prescrito” e classifica como “questionável” o envio da investigação do Ministério Público Federal (MPF) em Brasília para o de São Paulo sem considerar a prescrição. “Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante”, escreveu Moro a Deltan.

Moro atribui o vazamento das informações à atuação de hackers. O site afirma que recebeu o material de uma fonte anônima.

A mensagem do então juiz federal ao procurador foi enviada no dia seguinte à veiculação pelo Jornal Nacional, da TV Globo, de uma reportagem que tratava da citação de FHC em delações premiadas da Odebrecht.

Em seu acordo de colaboração, o empreiteiro Emílio Odebrecht relatou ao Ministério Público Federal “pagamento de vantagens indevidas, não contabilizadas, no âmbito da campanha eleitoral de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República, nos anos de 1993 e 1997”.

Enviada à primeira instância da Justiça Federal em São Paulo pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, a apuração sobre o suposto caixa dois em campanhas de Fernando Henrique Cardoso foi arquivada pelo juiz federal Márcio Assad Guardia, que atendeu a um pedido do MPF e considerou prescrita a punibilidade do ex-presidente.

“Nessa vereda, é fato notório que o representado Fernando Henrique Cardoso possui mais de 70 anos, de sorte que se deve aplicar o disposto no artigo 115 do Código Penal, diminuindo pela metade o prazo. Decorridos mais de 10 anos das datas dos fatos, quais sejam, as campanhas eleitorais nos anos de 1993 e 1997 e não havendo causa interruptiva desse prazo até o presente momento, é de se reconhecer a prescrição, conforme requerido pelo órgão ministerial”, escreveu o magistrado.

Veja abaixo o diálogo:

Por meio de nota, Sergio Moro afirma que “não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem ter sido editadas e manipuladas, e que teriam sido transmitidas há dois ou três anos”. “Nunca houve interferência no suposto caso envolvendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi remetido diretamente pelo Supremo Tribunal Federal a outro Juízo, tendo este reconhecido a prescrição”, diz o texto.

“A atuação do Ministro como juiz federal sempre se pautou pela aplicação correta da lei a casos de corrupção e lavagem de dinheiro. As conclusões da matéria veiculada pelo site Intercept sequer são autorizadas pelo próprio texto das supostas mensagens, sendo mero sensacionalismo”, conclui o ministro da Justiça e Segurança Pública.

Reportagem de capa de VEJA publicada na semana passada mostra como a imagem de Moro como guardião da lei e da ordem ficou seriamente comprometida depois da divulgação de mensagens que ele trocou com o Dallagnol enquanto julgava os processos da Lava Jato.

Os diálogos são inequívocos: mostram o estabelecimento de uma relação de coope­ração incompatível com a imparcialidade exigida por lei de qualquer juiz. Nas mensagens divulgadas ao longo da semana passada, o ex-juiz aparece orientando uma investigação da força-tarefa da Lava Jato sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cobra a deflagração de novas ações, antecipa uma decisão e sugere a publicação de uma nota pelo MPF para rebater o “showzinho” da defesa de Lula após um depoimento dele.

A dobradinha teria beneficiado os acusadores em detrimento dos acusados, desequilibrando a balança da Justiça e desrespeitando a equidistância entre juízes e as partes do processo. Para garantir a chamada paridade de armas entre defesa e acusação, o Código de Processo Penal (CPP) proíbe que julgadores e procuradores trabalhem juntos em busca de um resultado comum. A lei estabelece que o magistrado deve sempre declarar-se suspeito para julgar um caso quando, por exemplo, “tiver aconselhado qualquer das partes”.

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