Ney Lopes – jornalista, ex-deputado federal e advogado – [email protected]
O presidente Bolsonaro encontrou-se ontem com os presidentes dos três poderes e falou em “pacto pelo Brasil”.
Sem dúvida, saída “política” acertada, desde que sejam afastados os radicalismos e preconceitos, através do desarmamento de espíritos, cultivada a tolerância capaz de superar divergências e somar convergências. Isso se chama “governabilidade democrática”, que pressupõe o funcionamento livre dos poderes, com respeito recíproco.
As manifestações do último domingo significaram dois “recados” à Nação: um, de que existe sentimento nacional favorável às reformas e outro, de que essas reformas serão as “possíveis”, com justa divisão de “sacrifícios” e não aquelas “impostas” pelo Governo, Congresso, ou outros segmentos.
Há que se buscar o “consenso político mínimo”, através do diálogo nacional. Esse caminho será para quem acredite realmente na “democracia” e não defenda como alternativa a cizânia entre os poderes constitucionais.
Em 2003, início do governo Lula, quando exercia o mandato de deputado federal, o Brasil vivia momento de grave agitação política.
Subi a Tribuna da Câmara proferi discurso e escrevi artigo (publicado em 02 de agosto, no “Poti” e Revista Brasília em Dia, editada no DF), onde sugeri: “O risco é a falta de governabilidade. Por isto, a responsabilidade é de toda a classe política brasileira. Está na hora de um “pacto pelo Brasil”. Todos sentarem à mesa, deixarem de lados os interesses menores e pensarem no país”.
Citei exemplos de “pactos políticos” no Peru, para garantir transição do governo Fujimori para Toledo. E na Alemanha, com Ângela Merkel e Gerhard Schoroder, líderes do CDU e CSU, partidos historicamente adversários, celebrando “pacto” para evitar a ingovernabilidade do país, sem direcionamento político claro.
Em vários artigos publicados na imprensa local e na revista “Brasília em Dia” (DF), além de discursos e livro editado pela Câmara dos Deputados, defendi o “pacto político” nacional, citando exemplos bem sucedidos na Espanha e Chile. O Pacto de Moncloa é um marco da redemocratização na Espanha. Foi assinado em 1977 por partidos políticos, sindicatos e empresários.
O Chile coloca-se até hoje como boa inspiração da governabilidade latino-americana. Após a ditadura de Pinochet construiu-se coalizão ampla e pluralista, denominada “Concertación”, em 1988. Governo e oposição conduziram a integração chilena nos processos de globalização, com menos custos sociais e legitimidade política.
Não houve adesões, nem fisiologismos. Apenas, a definição do que é interesse nacional e prioridade aos temas que conduziram à unidade, com respeito à diversidade e as diferenças naturais entre os partidos.
Há exemplo de pacto na história política nacional. Após a II Guerra Mundial, o Brasil assistiu o pacto político, considerado impossível, de Prestes com Getúlio Vargas, em torno da união nacional pela redemocratização.
O interesse público prevaleceu.
Quando presidente do Parlamento Latino-Americano (Parlatino) promovi (1994) a “I Conferência Latino-Americana de Partidos Políticos sobre Democracia e Governabilidade”.
Nos Anais do evento está a recomendação de “pactos políticos” para superar crises políticas, econômicas e sociais. Participaram mais de 300 parlamentares de 70 partidos da América Latina, do Caribe e do Parlamento Europeu.
O fundamental nos “pactos” é visão clara do que a sociedade poderá ganhar, com o entendimento político.
Não cabe no século XXI, aquele axioma inflexível “do bolo crescer para depois distribuir”. Isto não significará o retorno à “farra fiscal”. Apenas, a aplicação do refrão popular, que aconselha “nem tanto ao mar, nem tanto ao peixe”.
No caso do Brasil, o combate ao déficit fiscal deverá existir, porém sem perder de vista o crescimento social e humano, para não penalizar as gerações futuras.
A sociologia explica os entendimentos políticos como a necessidade de consolidação do contrato social, que elimina a chamada “guerra de todos contra todos”.
Sem a governabilidade democrática, não haverá governo estável, tendo em vista a sobrecarga das demandas sociais e a falta de condições financeiras para atendê-las.
Certamente, surgirão os “iconoclastas” de sempre, considerando esse “pacto” mero sonho.
Para eles é bom recordar o escritor uruguaio Eduardo Galeano, quando disse que o sonho existe, para que nunca se deixe de caminhar e confiar.