Ney Lopes – jornalista, ex-deputado federal, professor de Direito Constitucional da UFRN, e advogado – [email protected]
Um impedimento legal imobiliza o Congresso Nacional, na discussão e votação da Reforma da Previdência: incorrerá em vício de inconstitucionalidade, qualquer alteração que resulte em aumento de despesa, ou criação de receita (artigos 61, § 1º, II, a e c; 63, I e 145 da Constituição Federal).
Como o debate envolve matéria financeira, as emendas parlamentares que impliquem em aumento de despesa, ou criação de receita, serão consideradas inconstitucionais. Percebe-se verdadeira “camisa de força” para os congressistas, na medida em que constam na proposta, “apenas” mudanças de “mão única”, sem divisão de “sacrifícios” com o “andar de cima” da sociedade.
Caso aprovada sem “ajustes”, a “conta” do combate ao déficit será totalmente paga pela classe média, aposentados, pensionistas, assalariados (trabalhadores rurais e urbanos), servidores públicos e os pequenos e médios empreendedores.
O Congresso não terá como alterar. Simplesmente “votar contra”, não ajudará ao país. O “déficit” realmente existe e paralisa a economia. Portanto, a reforma é necessária e prioritária, desde que tenha equidade” na divisão dos sacrifícios. Esse é o “gargalo”, que inquieta a nação.
O texto em tramitação no Congresso atende unicamente aos “idólatras” do mercado, que têm o “cacoete” de condicionarem mudanças econômicas à lei da oferta da procura e a concessão de incentivos fiscais. A partir daí repetem a ladainha, de que esse é o “único” caminho para a criação de empregos e aumento de investimentos.
Deixam de levar em conta fatores como a “segurança jurídica”, respeito aos contratos, democracia estável e conjugação de interesses, visando à obtenção do lucro legítimo, na produção e comercialização de bens e serviços.
Neste contexto, não se justificam a continuidade de “privilégios” como o da Ford, em São Paulo, tão nocivos ao país quanto os excessos do funcionalismo público e os desvios da Lava Jato, A empresa se beneficiou de subsídios federais recentes, no valor de R$ 7,5 bilhões (além de outros), concedidos para gerar empregos “não gerados” e agora ameaça demissão em massa e o fechamento das portas da fábrica, sem avaliar o impacto social de sua decisão.
Tudo em nome do livre mercado.
Nos Estados Unidos, pátria do capitalismo, isso jamais ocorreria. A justiça americana aplicou duras sanções, por “desvios de isenções fiscais”, ao redor do parque da Disneyworld (FL).
No mundo todo, o “investidor sério” convive com as “regras de jogo” democráticas, pré-definidas e estáveis.
Somente ocorrem a rejeição e a fuga de capitais, diante da iminência de autoritarismo explícito (risco de uma “Venezuela às avessas”), como caracterizou a declaração do Presidente Bolsonaro, de que “democracia e liberdade, só existem (sic) quando a sua respectiva força armada assim o quer”.
Fato político desse tipo apavora muito mais o “livre mercado”, do que uma possível “divisão de sacrifícios”, inserida no texto da reforma.
Ainda bem que as Forças Armadas demonstram acolher os sentimentos do general Eduardo Villas Bôas, ex-ministro do Exército, que recentemente proclamou ser legalista, defensor número um da Constituição Federal, das leis e garantidor da democracia.
A reforma da previdência social assemelha-se a um doente, acometido de septicemia (infecção grave generalizada no organismo), cujo estado geral não permite o uso, sem limites, de antibióticos de larga potência, sendo necessário o tratamento gradual, sob pena de ir a óbito.
Da mesma forma, a grave crise econômica e as brutais desigualdades sociais do país, recomendam uma “reforma previdenciária gradual”, com leis temporárias, sem o extremismo de considerar, que a ótica isolada do mercado seja capaz de dar a “medida certa do impacto fiscal”, no combate ao déficit.
Um exemplo está na reformulação do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O governo quer antecipar esse benefício para 60 anos, fixando o “abono” de R$ 400 reais (corrigido em INPC), quando atualmente o idoso ganha menos de 150 reais. Realmente, a mudança começaria a distribuir o BPC mais cedo e não seria grande a diferença do “total recebido” pelo beneficiário entre 60 e 69 anos.
Porém, há Estados em que a média de vida é de 57 anos.
Como o idoso esperar para ter direito ao salário mínimo aos 70 anos? Por que não conceder o abono aos 60 anos e o salário mínimo aos 65 anos?
Aumenta a despesa, sim. Todavia, há várias alternativas fiscais para a compensação financeira, desde que se dividam os “sacrifícios”.
Este é o grande desafio!
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