Ney Lopes – jornalista, ex-deputado federal, professor da UFRN e advogado
Há temas delicados de serem abordados, como a defesa da “atualização” de vencimentos dos servidores públicos.
Numa hora de extremas dificuldades econômicas será insanidade reivindicar “aumento real”.
O que se pede é a revisão possível, que garanta o poder de compra, ou seja, o mesmo procedimento aplicado nos preços de produtos do comércio, indústria e serviços, com objetivo de compensar custos e garantir a sobrevivência das empresas. Se o mesmo não acontece em relação ao “bolso” do consumidor, como as empresas sobreviverão, diante da redução do consumo?
Sabe-se que o ponto de equilíbrio da sociedade livre é a “classe média”, justamente o segmento social, que abriga a maioria dos servidores públicos.
No Brasil, a classe média está “sufocada”, em “queda livre’, encolheu em 2020 e continuará diminuindo em 2021.
Pesquisas mostram que o “sufoco” causou cortes nos serviços de plano de saúde particular, lazer, contratação de empregadas domésticas ou babás e escolas particulares
No caso dos servidores, esse tema sempre suscita a acusação de corporativismo, em favor de privilégios injustificáveis.
Quando se trata de aumento de tarifas, produtos e serviços em geral, o “tzar” Paulo Guedes acha normal. Sempre justifica o “andar de cima”. Para ele, funcionários públicos são “mercenários”, “parasitas” e considera dois ‘brasís”: um do bem (do “tzar”) e outro do mal (os funcionários públicos).
Ninguém nega a necessidade de eliminar as atuais distorções da máquina pública para extirpar aqueles que se utilizam do cargo como forma de obter privilégios pessoais.
Mas, é inadmissível a qualificação dos servidores como “vilões” nacionais. Um sistema de saúde não funciona sem o SUS, de educação sem as escolas públicas, sistema financeiro e transporte coletivo, sem a regulação estatal.
A própria empresa privada beneficia-se da ação estatal, na garantia da livre concorrência no mercado.
No momento atual, o país convive com a crise causada pela pandemia, o que não impede o governo preservar o poder de compra dos servidores.
Veja-se o recente exemplo “unilateral” do “aumento de ganho real” concedido aos militares, alcançando até 73% de majoração, somando-se todos os benefícios ampliados.
Como se explica o esquecimento, pelo menos da “atualização monetária” de vencimentos dos funcionários civis?
No caso específico do serviço público, a Constituição assegura a “atualização” (repita-se, não é aumento), sempre na mesma data e sem distinção de índices.
Entretanto, o congelamento está vigente há anos e leva ao empobrecimento progressivo da categoria. Sobem os valores do salário mínimo, alíquotas previdenciárias, planos de saúde (quase sem controle), medicamentos, alimentos, energia, combustíveis etc. Enfim, tudo aumenta e o salário público “civil” continua o mesmo.
Em última análise, a injustiça contribui para a queda da receita tributária, pelas restrições progressivas da demanda.
Não se pode esquecer, que “parte” do pagamento dos servidores retorna para o erário, sob a forma de tributos, sem a menor possibilidade de sonegação. Os descontos ocorrem na fonte e não há “caixa dois”.
Ao contrário do que ‘desinformam” os “lobbies” contrários ao serviço público, 60% do funcionalismo ativo da União tem renda média de até R$ 6.500,00 e não os milhões divulgados.
Os “marajás” são exceções.
É o caso de identificar também os “marajás” da economia.
A Ford, que anuncia fechamento de fábricas, é um desses “marajás”.
Fez “lobbies” em favor do programa de incentivos “Rota 2030” (Decreto nº 9.557/2018), que garante descontos em impostos para montadoras, no valor de 1.5 bilhões ao ano, desde 2018.
Além disso, desonerou a folha de pagamento e a contribuição com o INSS passou de 20% para 1% e 2%.
Com todos esses estímulos, da noite para o dia, a empresa decide “fechar” suas fabricas, em nome do livre mercado.
O fato “abre os olhos” para maior rigor nas concessões de benefícios fiscais. Terá que ser uma “rua de mão dupla”.
E não como é hoje: “o lucro é da empresa; o prejuízo do governo”.
Que capitalismo é este?
Remanesce a indagação: o que fazer com os “marajás”, que usufruem super salários e mordomias, ultrapassando o “teto” correspondente a remuneração dos ministros do STF? Não há mistério.
A emenda constitucional 41/03 autoriza o corte de todos os valores que ultrapassem o “teto”, não se admitindo invocação de direito adquirido, ou percepção de excesso a qualquer título.
Portanto, já existe a forma de eliminar os “marajás” e fazer justiça a maioria dos servidores, com a “atualização” monetária dos rendimentos.
É só o governo cumprir a Constituição.
Alguém precisa exigir isto no Congresso Nacional.