Ney Lopes- jornalista, advogado e ex-deputado federal
A semana começa com a derrota do presidente Maurício Macri, nas eleições primárias da Argentina. O fato inesperado sacudiu os meios políticos e econômicos, gerando pânico no mercado financeiro portenho: o dólar disparou, a taxa de juros aumentou em dez pontos e a Bolsa teve a sua maior queda em 20 anos, em baixa de 37%.
O cenário internacional torna-se mais tenso, com a disputa comercial entre China e Estados Unidos, protestos em Hong Kong, saída do Reino Unido da União Europeia e crise política na Itália.
A agravante é a previsão do FMI de redução em 3.2% do crescimento econômico mundial.
Quais seriam as consequências para o Brasil?
Os Estados Unidos e a China são protagonistas de verdadeira “guerrilha”. Um tem medo do outro. A China exporta U$ 500 bilhões de dólares anualmente para os Estados Unidos. Se perder esse mercado, a economia entra em colapso, por gerar “excedente” comercial de bens manufaturados, de quase U$ 1 trilhão de dólares.
Quem poderá comprar a produção chinesa excedente? A Europa? Certamente, não. O “Brexit” está fora de controle. Exemplo é o Reino Unido, país milenar e poderoso, que ao eleger um primeiro ministro tresloucado, já sofre consequências negativas, por manifestar intenção de isolar-se da Europa. A economia inglesa encolheu, inesperadamente, neste segundo semestre 0.2%, primeira redução negativa desde 2012, com recessão já a vista.
No outro lado da moeda, os Estados Unidos ainda não conseguem responder a pergunta feita em 2009, pela então secretaria de Estado Hillary Clinton: “Como negociar com pulso firme com o seu banqueiro?”.
Os chineses “controlam” o déficit fiscal americano de U$ 319 bilhões e a dívida pública de 22 trilhões (valor superior ao PIB do país, que é em torno de 19 bi), que aumentam no governo Trump. Pequim “controla” esses déficits, através de volumosa carteira de títulos do tesouro americano, que lhes pertence (“treasures”), no valor de U$ 1.12 trilhão.
Neste jogo de “perde e ganha”, o gigante oriental guarda uma “carta na manga”, que seria a alienação nas bolsas mundiais dos seus “treasures”. Quando os americanos venderam armas à Taiwan, os chineses fizeram essa ameaça e Washington recuou. Hillary Clinton tem razão: a China é o “banqueiro”, que mais empresta dinheiro à Casa Branca.
Diante de desafios globais, o Brasil terá que definir a sua política externa, sem impulsos, ou “patriotadas inconsequentes”. De nada adiantará insistir em olhar “para o próprio umbigo” e seguir aquela máxima dos nossos avós, de que a vida “é um assunto local”.
A realidade mostra, que não é bem assim. Os valores “locais” existem, como traços de cultura, mas o mundo é uma “aldeia global”, na expressão do filosofo canadense Marshall McLuhan.
O confronto comercial sino-americano poderá favorecer o Brasil e abrir mercado para nossos produtos. Todavia, ainda existem incógnitas.
Consultoria financeira inglesa assemelhou a economia brasileira a um pequeno barco no oceano. Se o mar está calmo, mais fácil. Mas, caso as finanças internacionais sofram abalo, a recuperação econômica será prejudicada, com a desvalorização do real.
Um risco político a considerar é a “propaladíssima amizade” entre Bolsonaro e Trump. Com estilo ardiloso, o governante americano “pechincha”, de acordo com os seus “interesses”.
Essa entrada do Brasil na OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte) e OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) poderá significar a “isca” para amarrar o nosso país aos interesses dos Estados Unidos. Em tal hipótese, Trump pediria “lealdade” à Bolsonaro na guerra com os chineses, o que dificultaria aumentar as nossas exportações para o gigante asiático.
Preocupantes são as relações do Brasil com a Argentina, consideradas estratégicas para ambas nações, sobretudo quando se abre a perspectiva do Mercosul firmar acordo com a União Europeia.
A Argentina é o grande mercado de produtos brasileiros, que significou 15 bilhões de dólares, em 2018. A preocupação nasce do comportamento irrequieto do Presidente Bolsonaro, assumindo posição de “cabo eleitoral” de Macri, agora rejeitado e derrotado pelo eleitorado argentino.
O que irá acontecer?
Com tantas turbulências comerciais, nunca será demais recordar, em relação aos interesses futuros do Brasil, o “temor” do samba de Beth Carvalho: “Nessa briga da maré contra o rochedo; Sou marisco e tenho medo de não ter uma saída”
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