Com a situação de emergência enfrentada pelo Rio Grande Sul devido às fortes chuvas que assolam o estado há cerca de um mês, o trabalho dos voluntários se faz mais que necessário no auxílio da população, principalmente nos cuidados referentes à saúde dos atingidos pela tragédia. Enfermeira do Serviço de Transporte Sanitário (STS) de Natal, Victória Queiroz, foi uma das profissionais que atuaram no estado por meio da Força Nacional do SUS (FN-SUS), e contou sobre sua experiência durante os mais de 20 dias que permaneceu auxiliando a população do estado.
Até esta segunda-feira (10), foram contabilizados mais de 12,9 mil atendimentos realizados no estado. A maioria dos profissionais de saúde enviados pela Força Nacional, cerca de 33,2%, são da região nordeste do país, segundo dados divulgados pelo programa. Victória foi a representante do município, atuando na cooperação entre Natal e a FN-SUS. A enfermeira foi designada para ações na cidade de Canoas, município situado na Região Metropolitana do estado e uma das áreas atingidas pela tragédia. Lá, fez parte da equipe do Hospital de Campanha (HCamp) de Canoas, uma das quatro unidades montadas para prestar suporte à população. A estrutura foi montada na Universidade Luterana do Brasil (UlBRA), que também cedeu prédios como abrigo para mais de oito mil pessoas atingidas.
A enfermeira conta que, além da equipe que ficava de plantão no hospital, o local possuía uma equipe volante que desenvolveu diversos projetos com os desabrigados alocados na universidade, como o de ações de acolhimento e assistência à saúde “In loco”. “É um trauma muito grande, são pessoas em sofrimento profundo, algumas ainda em situação de choque, não conversavam, não procuram ajuda, por isso fizemos essas ações nos abrigos, e passávamos em todos os colchões para saber se estavam precisando de alguma ajuda, se estavam sentindo alguma coisa, então tentamos fazer essa busca ativa desses pacientes.”
O que inicialmente estava programado para serem apenas 10 dias de trabalho voluntário se tornou 22 dias, desde sua saída no dia sete de maio até seu retorno a Natal no dia 28 de maio. E o fator emocional foi o que mais mexeu com a equipe, segundo a enfermeira, que também já tinha sido voluntária na Unidade de terapia intensiva (UTI) na pandemia da Covid-19 em Natal. “Essa missão, diferente das outras, é mais humanista do que tecnicista. Eu digo que precisei usar mais meu lado humano, meu lado Victória, do que o meu lado enfermeira. A gente se deparou com situações que eram de adoecimento da alma, não era um adoecimento que a gente podia tratar com mediação, às vezes era mais uma escuta, um acolhimento, um abraço, se disponibilizar de estar ali com aquela pessoa”, confidencia.
Quando deixou o estado, os níveis de água começaram a diminuir e a população começou a voltar para suas casas para verificar o estado em que elas se encontravam, o que acarretou outros problemas de saúde. “Notamos o aumento considerável das doenças psicossomáticas, pois as pessoas encontraram os destroços de suas casas e voltavam com crise de ansiedade, depressivas e ideação suicida. Além das infecções de vias aéreas, pelo convívio de muitas pessoas no mesmo espaço. Saímos de lá e começamos a nos deparar também com muitos casos de leptospirose, a água estava contaminada, então essas pessoas que estavam indo para as suas casas entravam em contato com essa água e acabam se infectando, principalmente por cortes nos destroços que são porta de entrada para muitas doenças.”
Sobre a experiência, Victória relata que a vivência foi rica, tanto para o seu lado profissional, como também pelo seu lado humano. Marca gravada também em seu corpo e no da sua equipe em formato de uma tatuagem para lembrar o momento. “Eu sei que fui uma Victória e voltei outra, em questão de visão de mundo, em questão de empatia. Meu lema sempre foi: “se sua vida não serve para servir, ela não serve para viver”, eu sempre fui muito isso de me doar ao outro, e essa missão em específico eu aprendi muito, para mim foi algo que me marcou, pelo resto da minha vida.”
Victória comenta que se sentiu muito acolhida durante o período, mas enfatiza que a emergência na região ainda existe, por isso foi acionada para retornar ao trabalho no Sul do país.
Força Nacional do Sistema Único de Saúde (FN-SUS)
É um programa de cooperação voltado à execução de medidas de prevenção, assistência e repressão a situações epidemiológicas, de desastres ou de desassistência à população. A FN-SUS foi criada em novembro de 2011 após a tragédia da região serrana do Rio de Janeiro e conta com um cadastro de mais de 70 mil profissionais de saúde chamados para participar quando há uma emergência onde o estado e/ou município perdem a capacidade de resposta.